quarta-feira, 9 de novembro de 2011

COMO FOI A REDESCOBERTA DO MICO LEÃO PRETO?


O mico leão preto era dado por extinto desde 1905, e por 65 anos este foi o status desta espécie. Em 1970 o Prof. Adelmar Faria Coimbra Filho redescobriu a espécie nas matas do município de Teodoro Sampaio, cuja história nunca foi relatada em detalhes, o que agora passamos a fazer em primeira mão.
Prof. Dr. Adelmar Faria Coimbra Filho
Anos antes o Prof. Adelmar já trabalhava com primatas e dedicava sua atenção aos micos leões do Brasil, em especial ao mico-leão-dourado que habita as matas do Rio de Janeiro, estado que adotou para fincar moradia, haja vista ser cearense da cidade de Fortaleza. 

Estudou bastante os micos dourado e o preto, e durante suas leituras soube que no Departamento de Zoologia da USP havia peles do mico preto. Partiu para São Paulo, em ônibus interestadual, que à época não eram tão confortáveis como os atuais, e lá chegando encontrou dois exemplares de peles do mico preto e amarelo e preto. Foi neste momento que fez contato com o ilustre Dr. Paulo Vanzoline, com quem travou boas conversas a respeito do assunto. 

Em seguida partiu para a Bahia em busca de evidências das áreas aonde era possível encontrar o mico-leão-preto de cara amarela, o que o levou a propor ao antigo IBDF a criação de uma reserva biológica que servisse à conservação in situ desta espécie, o que foi feito muitos anos depois em uma área muito menor que a proposta original, criando-se a Reserva Biológica de Una. 

Retornando ao Rio de Janeiro sua curiosidade científica não lhe permitiu descansar. No início das suas investigações no estado de São Paulo atrás do mico leão preto solicitou ao Professor Paulo Nogueira Neto que se informasse com o proprietário da fazenda Paraíso, no município de Gália, Sr. Olavo Ferraz, se sabia da existência nas matas locais de algum tipo de sagüi. A resposta foi negativa, sendo informado que ali existia apenas o macaco prego. 

Entretanto, teve a grande sorte de por aquelas matas andar um pesquisador da Universidade Federal do Paraná, que lá estava coletando exemplares de lepidópteros, borboletas e mariposas, o ilustre Dr. Olaf Mielke, que afirmou ter visto um sagüi preto muito ligeiro entre as galhas das árvores. Na década de 1980 Dr. Olaf Mielke revelaria ao mundo a maravilhosa fauna de lepidópteros do Morro do Diabo, com uma coleção de mais de 450 espécies destes belíssimos e importantes animais, inclusive descobrindo uma nova subespécie exatamente na elevação que dá nome ao Parque. O remanescente florestal da fazenda Paraíso transformou-se no que é hoje a Estação Ecológica de Caetetus. 

No ano de 1970, partindo do Rio para São Paulo encontrou-se na capital com os pesquisadores do então Serviço Florestal, hoje Instituto Florestal, Walter Emerich, Mauro Moraes Victor e José do Nascimento Kronka, que indicaram as matas do Pontal do Paranapanema e a Reserva do Morro do Diabo com potenciais de abrigar a espécie; estes técnicos conseguiram que o Instituto Florestal provesse ao Prof. Adelmar Coimbra condução adequada, haja vista que o mesmo viajava de ônibus. 
Com as informações e o apoio obtidos no Instituto Florestal Prof. Adelmar partiu para a região do Pontal, que ainda possuía florestas remanescentes de maior porte e que poderiam comportar uma população maior desta espécie, o que talvez permitisse contato visual com maior facilidade, se de fato ela ainda vicejasse na natureza.
Mico-Leão-Preto - Leontopithecus chrysopygys
Em Presidente Venceslau deparou-se com dois exemplares de micos-leões-pretos montados para exposição, feitos pelo taxidermista japonês M. Sakai, um bom vestígio de que nas redondezas as buscas poderiam ter sucesso. Com a informação do local onde os primatas foram abatidos foi ao seu encalço, porém chegando à fazenda verificou que toda a mata havia sido destruída.
Passou por vários fragmentos de matas e propositalmente deixou a REMD por último pelo fato de ser a maior mata a resistir ao desmatamento. Auxiliado pelo guarda florestal Adílio de Almeida, o que corresponde hoje a um policial da Policia Ambiental, e pelo funcionário do então Serviço Florestal Sr. João Gatti, finalmente avistou no dia 14 de maio de 1970 três indivíduos de Leontopithecus chrysopygus deslocando-se pelo estrato intermediário do arvoredo, selando assim a saga de comprovar que a rara espécie ainda não havia sido extinta na natureza, mas corria sérios riscos. 

O maior risco naquele então era o destino que as autoridades florestais do Serviço Florestal desejam dar às matas da Reserva Estadual do Morro do Diabo, pois a própria instituição a cargo da administração retirava madeira da REMD e as levava em toras para serem beneficiadas na capital, provavelmente para a produção de mobiliário e outros utensílios em madeira de lei. Foram perobas, cabreúvas, ipês, jatobás, marfim, entre outras espécies sendo paulatinamente derrubadas legalmente, enquanto que no restante do Pontal as matas sucumbiam ilegalmente ao som dos machados e das motosserras. 
Um dos trabalhos do Prof. Adelmar Coimbra, publicado na Revista do Instituto Florestal “Silvicultura em São Paulo” em 1976, traz uma foto de toras de perobas derrubadas no interior da Reserva.
Toras de Peroba retiradas das Matas do REMD
Estes fatos podem ser comprovados pelos relatos de pessoas antigas da região e funcionários da “Reserva”, mas um estudo de inventário florestal efetuado por João Carlos Chagas Campos e Dammis Heinsdijk, denominado ‘A floresta do Morro do Diabo’, apontava que o potencial das matas da antiga REMD era o aproveitamento madeireiro.
Foi neste cenário que o mico-leão-preto foi redescoberto e coube ao Prof. Adelmar Faria Coimbra Filho lançar os primeiros ‘gritos’ e clamores junto aos dirigentes florestais à época visando paralisar a exploração madeireira e aumentar os investimentos em conservação.

Cartaz utilizado na década de 80 para conservação
do Mico-Leão-Preto
Cartaz da década de 80 utilizado para
conservação do Mico-Leão-Preto
O espírito científico, a dedicação à conservação da natureza, o incansável e inovador trabalho do Professor Adelmar Faria Coimbra-Filho se mescla aos destinos do município de Teodoro Sampaio, pois graças a ele a partir de 1970 soube-se que o município de Teodoro Sampaio e o estado de São Paulo abrigavam uma das espécies de primatas mais ameaçados de extinção do mundo, o mico-leão-preto. E foi a partir daí que o então Serviço Florestal do Estado de São Paulo prestou mais atenção à conservação da nossa “Reserva”. A exploração madeireira na Reserva do Morro finalmente cessou por volta de 1974.
Em 1984 o Instituto Florestal, a CESP, o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro e a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza – FBCN iniciaram os trabalhos para o resgate dos grupos de micos-leõs-pretos da área florestal da REMD que seria inundada pelo fechamento da barragem de Rosana.
Em 1986 a REMD é elevada à categoria Parque Estadual, trazendo maiores garantias de conservação à sua biodiversidade. Estima-se que hoje o PEMD abrigue uma população de até 800 indivíduos de micos-leõs-pretos.

Quem é o cientista?

Adelmar Faria Coimbra Filho nasceu em 4 de junho de 1924, em Fortaleza, no Ceará. Formado técnico agrícola em Viçosa, em 1946; bacharel em História Natural na Universidade do Estado da Guanabara e mestrado em Zoologia na Universidade Federal do Rio do Janeiro.

Foi o primeiro cientista brasileiro a chamar a atenção para os micos-leões, que começou a estudar em 1960, e não mediu esforços para que fossem criadas reservas especiais onde esta espécie pudesse ser protegida, na Bahia, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Organizou e fundou o Centro de Primatologia do Rio de Janeiro-CPRJ.

Em 1964, repetida outras vezes, juntamente com outros cientistas realizou um pioneiro trabalho de sistematização de informações sobre animais raros e ameaçados de extinção no Brasil. Nascia assim o primeiro Livro Vermelho das espécies ameaçadas de extinção do Brasil.

Foi Coordenador dos Parques e Reservas Biológicas do Rio de Janeiro, Chefe do Serviço de Zoologia do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, Diretor de Pesquisas do Instituto de Conservação da Natureza, Diretor de Conservação da Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente e Chefe do Centro de Primatologia do Rio de Janeiro. É membro da União Internacional para a Conservação – UICN.

Orientou várias pós-graduações e assessorou diversas instituições atuantes na área da conservação. É consultor de várias revistas e periódicos científicos do Brasil e exterior. Sua qualidade foi reconhecida em dezenas de homenagens, no Brasil e Exterior, dentre tantas merece menção que é Membro da Academia Brasileira de Ciências, desde 1981 e Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, título ofertado e entregue pelo Presidente da República Federativa do Brasil em 1998.

Dentre os prêmios recebidos destacam-se o Premio Muriqui, do Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica; Premio Henry Ford de Conservação Ambiental; Certificado de Apreciação por parte da presidência do Los Angeles City Counci; Diploma de Honra ao Mérito em reconhecimento aos relevantes trabalhos prestados à Biologia, pela Sociedade Brasileira de Biologia; pelas mesmas razões, Diploma de Honra ao Mérito pela Sociedade Brasileira de Zoologia; Premio Augusto Ruschi, da Academia Brasileira de Ciências.

É considerado o ‘Pai da Primatologia do Brasil’, não como título e sim como missão de vida. Deste modo, muitos dos pesquisadores que hoje trabalham com primatas no Brasil devem a ele a abertura deste campo da ciência no país.

Foi professor de biologia, ecologia, biogeografia, zoologia, primatologia, zoogeografia, paisagismo, desenvolvimento urbano, ecozootecnia, planejamento florestal, dentre outras disciplinas em várias faculdades e universidades do país. Possui mais de 200 artigos científicos publicados. Em 2011 recebeu o Titulo de ‘Cidadão Teodorense’ nas celebrações dos 70 Anos de Existência e Conservação do Parque Estadual do Morro do Diabo.

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